A Criança Que Mora


Num apartamento grande, escuro muitas vezes por mania dos moradores mais velhos, residiam o menino, sua mãe, seu irmão recém nascido, seus tios adolescentes e seus avós. Não era uma família perfeita, muito pelo contrário. Alcoolismo, violência física, ofensas se misturavam a demonstrações de afeto, a almoços em família com todos ao redor da mesa, a risadas. Estranho, concordo, mas era minha família.

Eu, o menino que citei, acordava e ia direto pra frente do tubo assistir meu programa favorito, o palhaço Bozo, na antiga TVS. Eram horas e horas "trazendo alegria pra você e o vovô". Toda ludicidade daquele personagem me encantava, contrastando com a realidade difícil da vida em muitos aspectos. Sentia falta do meu pai, que me visitava poucas vezes ao ano. Chorava muito quando minha mãe saía para trabalhar, pois tinha medo de que não voltasse - assim como meu pai.

Viver estas e tantas outras coisas me forçaram à maturidade desde muito cedo. Como confidente da minha mãe, tentava ajudá-la da melhor forma. Principalmente quando saímos da casa dos meus avós e fomos morar só eu, ela e meu irmão. Adquiri uma capacidade empática considerável. E anos mais tarde, no início da vida adulta, apesar da família reconstruída, percebi as marcas daquela infância, paradoxalmente, feliz e conturbada. A depressão bateu à porta, era parte de mim, e aos poucos fui aprendendo a ser empático com o Leandro também. Aliás, estou aprendendo até hoje.

Sem dúvidas o que me ajudou e ainda ajuda é a fé. Cristo me conduziu em direção ao Pai Perfeito. Cristo se colocou ao meu lado como meu melhor amigo. Cristo me apresentou ao Espírito Santo, aquele que acalma meu coração ansioso. Sinceramente, não sei o que seria de mim sem Deus. Tive experiências com Ele que tornam ridículo meu ceticismo. Não posso negar o Divino. Seria negar todas as evidências incontestáveis de Seu amor e misericórdias por mim.

Em tempos em que infâncias são roubadas, muitos se suicidam, ódio é destilado por aqueles que deveriam amar, menos atenção as pessoas dão umas às outras, precisamos lembrar da criança que fomos. Mais ou menos felizes, mais ou menos marcadas, mas que certamente esperavam um mundo melhor, onde os adultos as protegeriam. Hoje somos esses adultos e podemos cuidar dos mais frágeis. O mundo que idealizamos na infância pode ser utópico, porém muito podemos criar com novas atitudes. Jesus abraçou as criancinhas e disse que o Reino dos Céus era delas. Disse também que precisamos ser como elas. Cada dia mais vejo que Ele tinha razão.

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